Cerca de dois anos após as primeiras infecções pelo Sars-CoV-2 serem notificadas na China, em 31 de dezembro de 2019, o mundo continua sob a classificação pandêmica devido à Covid-19. Embora ao longo dos últimos meses diversos países tenham registrado momentos de relaxamento das restrições e medidas sanitárias utilizadas para enfrentamento à pandemia, novos focos de transmissão do coronavírus são observados no mundo. O Chile, por exemplo, registrou o maior número de novos casos nos últimos 2 meses na quinta-feira, 26, com 7.550 novas infecções. No Uruguai, houve aumento de 50% nos diagnósticos positivos, e no Paraguai, autoridades preveem a chegada de uma quarta onda da doença. Nesse sentido, entre especialistas, a avaliação é que o cenário da pandemia mudou, ainda que de forma gradativa, o que também reflete no Brasil. Nas últimas semanas, alguns Estados e cidades brasileiras acompanharam um novo aumento no número de pacientes diagnosticados com Covid-19. Segundo dados do Ministério da Saúde encaminhados à Jovem Pan, em comparação com a semana de 1 a 7 de maio, o período de 8 a 14 de maio registrou aumento de 12% no número de novos casos e de 19% na média móvel de mortes pela Covid-19.
Dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) apontam que na quinta-feira, 26, foram registrados cerca de 34 mil novos diagnósticos. Em 1º de maio, o número era de 6.263 infecções. Da mesma forma, levantamento realizado pelo Grupo Pardini aponta taxa de positividade para a doença acima dos 30%. Na segunda-feira, 23, por exemplo, 33,3% dos exames realizados pelo laboratório receberam diagnóstico positivo, enquanto na terça-feira o número chegou a 34,3% de confirmações. A avaliação é que a taxa de infecções tem crescido “semana a semana”, com aumentos sucessivos desde a segunda quinzena de abril. Entre os motivos que podem justificar a alta está a chegada do inverno, reflexo dos recentes feriados, que elevam a mobilidade das pessoas, assim como o uso não obrigatório de máscaras, explica Marília Turchi, infectologista do Grupo Pardini. “Esse aumento de casos teve um pequeno reflexo nas internações, mas sem relevância ainda no número de óbitos. Mas, sem dúvida nenhuma, é um alerta muito importante. Não é motivo de pânico, mas de alerta: o Sars-CoV-2 continua circulando com as suas diferentes variantes e capacidade de mutação.”
A alta de casos da Covid-19 também é registrada por outras organizações. Na quinta-feira, 26, o Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (APEOESP) divulgou nova pesquisa de infecções pelo Sars-CoV-2 nas escolas estaduais. Segundo o levantamento, que considerou dados de 11 a 26 deste mês, 121 casos da doença foram registrados em 15 escolas, entre professores, estudantes e funcionários, “o que resulta em uma média de 8 casos por escola” em duas semanas. O número é superior ao identificado entre fevereiro e março, quando 5,6 casos foram confirmados por colégio. Por isso, a entidade orienta “suas 94 subsedes a fazerem o monitoramento dos casos ocorridos em suas regiões, solicitando das direções das escolas, bem como dos dirigentes regionais de ensino que promovam a retomada dos protocolos sanitários nas unidades escolares“, diz a nota, sem mencionar quais medidas devem ser novamente adotadas.
Entre especialistas, a avaliação é que os ciclos de transmissão da doença estão longe de acabar e o Brasil inicia uma nova curva da Covid-19, com tendência de alta. Embora seja “sinal de alerta”, o aumento ainda não pode ser caracterizado como uma nova onda da doença. “Ainda é causada pela variante Ômicron, pela subvariante B.A.2. Porque ela é muito mais transmissível que todas as outras e segue um perfil que tem sido repetido nos últimos meses, onde você tem mais transmissão, mas menor gravidade. A gravidade é que você vai ter sempre pessoas mais idosas, com mais de 70 anos, ou pessoas com comorbidades. Então, esse aumento é esperado. […] Uma nova onda seria uma nova variante, mas não temos isso. Estamos com a Ômicron, que representa 74% dos casos no mundo. No Brasil, mais de 80% dos casos são da Ômicron”, “afirma o infectologista Sergio Cimerman, em entrevista à Jovem Pan. Ele diz que o quadro sanitário no país pode ser ainda mais avançado, uma vez que há uma subnotificação das infecções, especialmente em razão dos autotestes.
“A gente vê que o maior número de casos tem acontecido em crianças, porque elas não têm sido vacinadas [contra a Covid-19]. A gente tem uma baixa adesão dos pais à vacinação, se levantar no Ministério da Saúde, não chega a 35% das crianças de 5 a 11 anos vacinadas, então elas acabam transmitindo para os adultos também”, completa Cimerman. Nesse mesmo sentido, a infectologista Marília Turchi reforça a importância da vacinação, assim como do uso de máscaras, que deve ser obrigatoriamente retomado para “em lugares fechados, sobretudo em hospitais, clínicas, aeroportos, onde tem uma circulação grande de pessoas, e também para todas as pessoas potencialmente vulneráveis”, indica a médica. “Além disso, é necessário que as pessoas com quadro gripal fiquem isoladas e façam o teste, porque do ponto de vista clínico não é possível diferenciar se é um Sars-CoV-2, ou se é outro vírus respiratório, que também é transmissível. Então é importante que essas medidas que aprendemos com a Covid-19 continuem valendo. Qual vai ser a magnitude desses aumento de casos? Não sabemos, o que sinaliza é que vai ser temporário, dependendo das medidas adotadas.”
A Jovem Pan questionou secretarias de alguns Estados sobre possíveis aumentos da Covid-19 nas últimas semanas. À reportagem, a Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro citou boletim semanal “Panorama Covid-19” ao mencionar um cenário estável, “mas com aumento da taxa de positividade para a doença”. Segundo comunicado, a taxa de positividade nos testes RT-PCR passou de 15,8% em 10 de maio para 22% em 17 de maio. Da mesma forma, a capital fluminense cita “classificação de baixo nível comunitário da Covid-19”, embora mencione uma oscilação no número de casos confirmados nos últimos 30 dias. No Rio de Janeiro, é descartado aumento de óbitos pela doença. Em outros Estados, como Bahia, Tocantins, Roraima, Ceará, Mato Grosso e Pará, não foi identificada tendência de crescimento de casos ou óbitos.
“Não há mudanças nas recomendações sanitárias, inclusive nenhuma alteração sobre uso de máscaras em locais fechados, que segue sendo facultativo, com exceção para unidades de saúde e transporte público”, explica nota do governo baiano. No Amazonas, a secretaria cita redução do número de casos, hospitalizações e óbitos por Covid-19, assim como no Espírito Santo. Em São Paulo, a secretaria informa que o cenário atual é de uma das menores médias móveis do Estado, com cerca de 3,3 mil diagnósticos positivos em sete dias, número “76 % a menos que o pico que ocorreu no início deste ano, quando a mesma média chegou a 16.642 casos”. Atualmente, a ocupação dos leitos de UTI destinados à Covid-19 está em 32,1% e a redução é apontada como “fruto da vacinação”, com 87,6% da população vacinada com duas doses e mais de 110,9 milhões de doses aplicadas.