Parte da resistência dos deputados federais à PEC dos Precatórios era explicada pela pressão exercida por professores, em razão do valor que deixaria de ser repassado ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef). O governo concordou em parcelar os débitos em três anos, costurou um acordo com parlamentares da oposição, sobretudo do PDT, e garantiu 312 votos na madrugada da quinta-feira, 3, quatro a mais do que os 308 necessários para aprovar uma proposta de emenda à Constituição. Apesar do avanço, lideranças dos partidos de esquerda ouvidos pela Jovem Pan afirmam que há uma outra razão para rejeitar o texto em segundo turno, em votação prevista para a terça-feira, 9: a possibilidade do governo do presidente Jair Bolsonaro ter uma espécie de “cheque em branco” em 2022, ano eleitoral.
Segundo cálculos do governo federal, a PEC dos Precatórios, se aprovada, abrirá um espaço fiscal de R$ 91,6 bilhões. Além de garantir o pagamento médio de R$ 400 mensais do Auxílio Brasil, programa social que substituirá o Bolsa Família, o valor deve ser usado para ampliar o Fundo Eleitoral e as emendas parlamentares. Para este ano, o Orçamento prevê R$ 18,5 bilhões para as emendas do relator-geral, as chamadas RP-9. Diferentemente das emendas individuais de deputados e senadores, elas não seguem critérios transparentes de disposição. Como a Jovem Pan mostrou, o principal trunfo do Palácio do Planalto para aprovar a proposta era a promessa de liberar emendas represadas. À reportagem, quatro parlamentares de partidos da base disseram que lideranças governistas também ameaçaram segurar o repasse de recursos a deputados que votassem contra a proposta. Em outubro, segundo dados do portal Siga Brasil, o governo bateu o recorde do ano no empenho das emendas do relator-geral do Orçamento (RP-9), com mais de R$ 1,9 bilhão. A ONG Portas Abertas, que também pesquisa sobre o orçamento público brasileiro, aponta que R$ 909 milhões foram empenhados nos dias 28 e 29 de outubro, às vésperas da votação da PEC dos Precatórios.
A oposição denuncia a prática e afirma que esta prerrogativa tem sido utilizada pelo governo federal para “comprar apoio” dos deputados. “As emendas de relator representam a deformação do sistema político brasileiro. É uma excrecência. É uma violação do processo democrático, ao funcionamento do Parlamento. Eu venho dizendo isto há tempos e seguirei dizendo. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, disse à Jovem Pan o líder do PT na Câmara, Bohn Gass (PT-PR). “Conjunturalmente, a PEC é muito ruim. Primeiro, porque o governo deixará de pagar o que deve, dá calote nos credores. Mas não só. Com o espaço fiscal que será aberto, Bolsonaro se apropria de valores absurdos. Aquilo tudo não vai para o Auxílio Brasil, não. Tem o valor para o substituto do Bolsa Família, é verdade, mas sobra muito dinheiro, um cheque em branco”, afirmou à reportagem o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS), um dos seis pedetistas a votar contra a proposta no primeiro turno. “Discutimos muito a PEC dos Precatórios: não concordaremos com um calote ao povo brasileiro. Apoiaremos um projeto que garanta auxílio para os brasileiros, mas não podemos concordar que usem a miséria das pessoas para aprovar R$ 20 bilhões de orçamento secreto”, escreveu em seu perfil no Twitter o líder da Oposição na Casa, Alessandro Molon (PSB-RJ).
As críticas ao chamado “Orçamento secreto” não ocorrem apenas nas legendas da esquerda. “A emenda de relator é uma excrecência, é um absurdo. É um assalto ao povo brasileiro, um assalto a mão armada. Falando como cidadã, me sinto coagida. É algo que não se faz. O dinheiro público tem que ir para onde precisa, não para firula de deputado que lambe as botas do governo. Há locais em que o dinheiro não chega. Não tem saúde, educação, as pessoas passam fome. Mas, em alguns redutos, só falta fazerem asfalto de ouro. Quem governa o Brasil é o Centrão. Eles tiram o que querem. Sozinho, Bolsonaro não consegue nada”, disse à Jovem Pan a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), que já foi líder do governo no Congresso. As emendas RP-9 foram criadas depois de sua saída da liderança.