O grupo Meta, responsável pelas plataformas Facebook, Instagram e WhatsApp, divulgou na manhã deste sábado, 29, sua primeira manifestação sobre o projeto lei 2630, conhecido como PL das Fake News, que deve ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados na terça-feira, 2. Em um texto longo, a big tech afirma que o texto cria “um sistema de vigilância permanente similar ao que existe em países de regimes antidemocráticos”. A Meta também diz que a lei conflita com outros dispositivos já existentes, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Na terça-feira, 25, os deputados aprovaram, por 238 votos a favor e 192 contrários, a urgência da matéria, o que garante que a proposta seja analisada diretamente pelo plenário, sem ter que passar pelas comissões. A articulação ganhou força após os atos do 8 de Janeiro e os recentes episódios de ataques às escolas.
“O PL estabelece que as plataformas digitais serão responsáveis por decidir sobre a ilegalidade de conteúdos publicados em seus aplicativos, transferindo para a iniciativa privada um poder que cabe ao Judiciário. O texto também exige que as plataformas informem as autoridades policiais em caso de suspeita de que um crime tenha ocorrido ou possa ocorrer no futuro. Na prática, esse monitoramento proativo transforma as plataformas em uma “polícia da Internet”, criando um sistema de vigilância permanente similar ao que existe em países de regimes antidemocráticos”, diz um trecho da manifestação do grupo. “Algumas das obrigações previstas no PL conflitam com leis vigentes que foram resultado de amplo debate público, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, ambas referências internacionais de legislação. Especialistas têm apontado que alguns pontos podem estar em desacordo com a própria Constituição Federal”, segue o texto. A Meta afirma que apoia a “intenção original” do PL das Fake News, mas diz enxergar “dispositivos problemáticos” no texto.
Como a Jovem Pan mostrou, aliados do relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), e parlamentares da oposição travam um cabo de guerra pela aprovação ou rejeição da matéria. O deputado do PCdoB acatou diversas sugestões da oposição, na busca de consenso. Uma das alterações diz respeito a conteúdos religiosos. A bancada evangélica afirmava que o relatório poderia “restringir a liberdade religiosa”. Na versão inicial, o parecer previa que “as vedações e condicionantes previstos” não implicariam na “restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à livre expressão e à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, político, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural”. Na versão apresentada na noite da quinta-feira, 27, Silva diz que a aplicação da lei vai observar “o livre exercício da expressão e dos cultos religiosos, seja de forma presencial ou remota, e a exposição plena dos seus dogmas e livros sagrados”. Orlando Silva também cedeu e retirou do texto a criação de uma agência reguladora, ligada ao Executivo, que atuaria para supervisionar as plataformas. O dispositivo vinha sendo chamado pela oposição de “Ministério da Verdade”.
Leia abaixo a íntegra da manifestação do grupo Meta:
PL 2630/2020 precisa de mudanças
Destaques
– Lei proposta conflita com leis existentes como Marco Civil da Internet e Lei Geral de Proteção de Dados
– Texto inclui dispositivos sobre direitos autorais que são inviáveis e ignora valor que aplicativos da Meta criam para veículos de notícias
– PL cria sistema permanente de vigilância, similar ao de países de regimes antidemocráticos
– Regras na publicidade digital irão restringir ferramentas de marketing para pequenos negócios
Nos últimos anos, a Meta tem apoiado regulações que criam regras claras e justas para todos. Queremos uma Internet mais segura e melhor, e estamos abertos a legislações consistentes, porque acreditamos que empresas privadas não deveriam tomar sozinhas tantas decisões sobre conteúdo online. Na semana que vem, a Câmara dos Deputados deve votar o Projeto de Lei 2630/2020. Sua versão atual possui mais de 20 artigos completamente novos que nunca foram amplamente debatidos, e contém dispositivos que prejudicam a maioria dos brasileiros com o propósito de atender a alguns poucos interesses econômicos. E, na sua forma atual, a legislação tornaria difícil que empresas de tecnologia como a nossa continuem a oferecer o tipo de serviços gratuitos usados por milhões de pessoas e negócios no Brasil.
Algumas das obrigações previstas no PL conflitam com leis vigentes que foram resultado de amplo debate público, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, ambas referências internacionais de legislação. Especialistas têm apontado que alguns pontos podem estar em desacordo com a própria Constituição Federal. Muito do recente debate sobre regulação da Internet no Brasil tem sido baseado na falsa premissa de que as plataformas digitais lucram com conteúdo violento e de ódio. Refutamos explicitamente esse argumento. As pessoas usam os aplicativos da Meta porque elas têm experiências positivas: elas não querem ver violência ou ódio, e nossos anunciantes não querem suas marcas associadas a esse tipo de conteúdo. Não temos incentivo para fazer nada diferente de combater esses conteúdos.
Todos os anos, investimos bilhões de dólares em tecnologia e pessoas para endereçar a prevalência de conteúdo nocivo nos nossos aplicativos. E reforçamos nosso compromisso com uma Internet segura e nosso desejo de colaborar para construir uma legislação efetiva a ser cumprida por todas as plataformas. Apoiamos a intenção original do PL 2630, mas hoje estamos compartilhando o que acreditamos serem os dispositivos mais problemáticos no texto protocolado na Câmara.
Copyright e remuneração de veículos de notícias
O texto do PL prevê que as plataformas digitais serão aparentemente exigidas a pagar aos detentores de qualquer conteúdo com direito autoral por tudo que eles decidam publicar nos nossos aplicativos, com base em regulamentação a ser criada posteriormente. O dispositivo foi adicionado ao PL recentemente e não tem qualquer relação com combate à desinformação ou conteúdo nocivo. Ele também não traz uma exceção clara aos direitos autorais para conteúdos gerados pelos usuários, o que significa que potencialmente qualquer foto tirada por uma pessoa e compartilhada com amigos e familiares poderia entrar no escopo da regulação do governo. A proposta rompe com abordagens internacionais e o faz sem qualquer clareza sobre como a lei afetaria relações e práticas comerciais por conteúdo com direitos autorais. Não está claro como qualquer plataforma digital poderia cumprir com os dispositivos de forma sustentável.
O texto também cria um ambiente incerto, confuso e insustentável no qual as plataformas digitais podem ser forçadas a pagar aos veículos de notícias pelo conteúdo noticioso que as plataformas supostamente “usam”. Isso representa um desafio significativo tanto para detentores de direitos (neste caso, os publishers) quanto para plataformas em compreender o escopo e o impacto da lei. Para redes sociais como as nossas, isso é especialmente verdade, já que as notícias aparecem nos nossos aplicativos por decisão voluntária dos publishers de fazer o upload dos conteúdos em nossos serviços gratuitos, para expandir suas redes e engajar uma audiência maior. As pessoas também compartilham notícias com amigos e familiares, mas de modo geral o conteúdo de notícias representa menos de 3% do que as pessoas veem no feed do Facebook. Nós não coletamos ou carregamos notícias proativamente nos nossos aplicativos.
A lei proposta também não define o que é “conteúdo jornalístico”. Isso pode levar a um aumento da desinformação, e não o contrário. Imagine, por exemplo, um mundo em que pessoas mal intencionadas se passam por jornalistas para publicar informações falsas em nossas plataformas e sermos forçados a pagar por isso. Além disso, as plataformas podem acabar por financiar apenas um grupo reduzido de grupos tradicionais de mídia, ainda que eles mesmos publiquem seus conteúdos nos nossos aplicativos gratuitos para aumentar suas audiências.
Dever de cuidado
O PL estabelece que as plataformas digitais serão responsáveis por decidir sobre a ilegalidade de conteúdos publicados em seus aplicativos, transferindo para a iniciativa privada um poder que cabe ao Judiciário. O texto também exige que as plataformas informem as autoridades policiais em caso de suspeita de que um crime tenha ocorrido ou possa ocorrer no futuro. Na prática, esse monitoramento proativo transforma as plataformas em uma “polícia da Internet”, criando um sistema de vigilância permanente similar ao que existe em países de regimes antidemocráticos. Também estamos preocupados com a previsão na lei de ter diferentes órgãos do governo responsáveis por definir regulamentações adicionais, o que pode ter implicações na liberdade de expressão na Internet. Órgãos do governo seriam responsáveis por criar regras em áreas como análise de risco, auditoria externa das plataformas e moderação de conteúdo, o que traz incertezas jurídicas.
Propaganda digital
A propaganda digital ajuda a criar conexões relevantes e significativas entre pessoas, causas, negócios e organizações. As pessoas podem descobrir conteúdo com mais chance de que sejam relevantes e interessantes para elas; criadores de conteúdo e empresas de todos os tamanhos podem encontrar aqueles que têm mais chance de ter interesse naquilo que estão oferecendo; e governos, sociedade civil, organizações não-governamentais e pessoas em todo o mundo podem se conectar de forma mais efetiva. A publicidade personalizada oferece a melhor experiência para as pessoas e o melhor valor para os negócios.
Mas o PL 2630 também traz dispositivos para a publicidade online que burocratiza e restringe as ferramentas de marketing que, antes da Internet, estavam disponíveis apenas para grandes anunciantes em um número reduzido de organizações tradicionais de mídia. Ao tornar as plataformas digitais corresponsáveis por toda a publicidade, o PL torna a propaganda online mais restritiva, sujeita a revisão extensa e demorada, o que certamente aumentará os custos. Isso prejudicará principalmente, mas não apenas, os micro e pequenos negócios, que são a camada mais vulnerável do ecossistema. O foco na responsabilidade das plataformas também pode prejudicar completamente o objetivo de combater conteúdo nocivo, pois a parte que se sentir lesada e as autoridades teriam pouco incentivo para perseguirem anunciantes mal-intencionados. Se aprovado como está, o PL pode dar origem a uma indústria centrada na compensação, em vez da prevenção e remoção de conteúdo nocivo, potencialmente sobrecarregando o sistema judiciário dado o grande volume de anúncios veiculados em plataformas digitais no Brasil.
Fonte: jovempan
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