10 de Novembro de 2024

Todos, todas, todes ou todxs: gênero neutro provoca polêmica e discussões


É provável que o leitor já tenha se deparado com textos em redes sociais ou discursos em que a vogal "e" ou o "x" são utilizados no final de algumas palavras, como as que ilustram o título desta reportagem. O recurso tem sido utilizado por pessoas que não se veem representadas e acolhidas pela língua da forma como ela se manifesta hoje, a partir do sistema binário masculino-feminino.

A discussão sobre a chamada linguagem neutra tem gerado um embate caloroso entre ativistas LGBTQIA , que passaram a questionar esta variação binária de gênero no Português, e a parcela da população que se autodenomina conservadora. Em Bauru, as reações extrapolaram a Internet e ganharam o debate político.

No final do mês passado, o vereador Eduardo Borgo (PSL) protocolou um projeto de lei para proibir todas as instituições de ensino de Bauru, da rede pública e privada, bem como todos os órgãos da prefeitura de utilizarem gênero neutro. Em sua justificativa, o parlamentar alega que não se pode admitir práticas que atentem contra "uma educação que qualifique o jovem bauruense para os desafios profissionais", privilegiando "minúsculos grupos militantes, que têm por objetivo avançar suas agendas ideológicas, utilizando a comunidade escolar como massa de manobra".

Borgo, nesta última semana, também se manifestou contrário à instalação de banheiros sem distinção de gênero na unidade do McDonald's de Bauru. Esta, aliás, foi outra mudança que gerou forte reação nas redes sociais, inclusive com ameaças de boicote e acusações de que a maior cadeia mundial de restaurantes de fast food havia se aliado ao comunismo e até autuação por parte da prefeitura (leia mais na página ao lado).

'IDEOLOGIA DE GÊNERO'

Sobre o projeto de lei que busca vedar o uso do gênero neutro e que ainda tramita nas comissões internas da Câmara, Borgo argumenta que estas formas de expressão não fazem parte da Língua Portuguesa e que o uso nas escolas provocará ainda mais dificuldades no aprendizado, considerando que as regras gramaticais estabelecidas já são bastante complexas. Além disso, alega que o movimento busca incutir "ideologia de gênero" na cabeça das crianças.

"Não tenho preconceito. O que sou contra é que grupos minoritários tentem empurrar goela abaixo pautas sobre sexualidade em nossas crianças. Tem que deixá-las em paz. No dia a dia, conforme elas forem crescendo, naturalmente vão entender", afirma.

Estudiosas favoráveis ao uso da linguagem neutra ouvidas pela reportagem, contudo, destacam que não se trata de uma mera reivindicação por mudança gramatical, mas sim de transformação das relações de poder, para tornar visível uma parcela da sociedade historicamente marginalizada. De acordo com a pesquisadora Larissa Pelúcio, livre docente em estudos de gênero, sexualidade e teorias feministas, diferentemente do que ocorreu no início deste século, em que movimentos sociais de pessoas negras, mulheres, homossexuais e transexuais demandavam visibilidade, neste momento, a luta é por representatividade.

INCÔMODO

Neste sentido, além de garantir a inclusão de pessoas não binárias e intersexo, a neutralização de gênero no vocabulário aboliria o uso do masculino genérico - como a palavra "todos" para representar homens e mulheres -, o que serviria para extinguir a hierarquização de gêneros na sociedade, com inferiorização das mulheres em relação aos homens.

"Estamos falando da possibilidade de ter um discurso articulado, produzido sobretudo por pessoas que tem a experiência subjetiva da exclusão, do rechaço e que passaram a pensar criticamente sobre isso. O incômodo de parte da sociedade não é de ordem gramatical, mas política, e reforça exclusões que parecem bobagens, mas que não são, porque somos seres linguísticos e, por isso, as palavras importam, ferem, ofendem ou incluem", observa.

Pesquisadoras defendem que idiomas são sistemas dinâmicos

Divulgação

Livre docente em estudos de gênero, sexualidade e teorias feministas, Larissa Pelúcio destaca que os idiomas não são imutáveis. Pelo contrário, são sistemas vivos e dinâmicos, que evoluem constantemente, à medida que a sociedade se transforma. Ainda de acordo com ela, a reivindicação pelo uso do gênero neutro e da linguagem inclusiva (esta última utiliza palavras já existentes para diminuir marcadores de gênero) não é modismo ou "capricho", havendo necessidade de aprofundar o debate sobre o assunto.

"É claro que é preciso ter o cuidado com a língua formal, mas, há muito tempo, a linguística vem discutindo que existe uma heteroglossia, ou seja, existem várias formas de falar. Existe uma diferença de fala, por exemplo, que traz regionalismos, marcas de classe e de geração e que compõem a nossa sociedade. Temos esta capacidade plural e inventiva de lidar com a língua. Basta ver como as pessoas jovens se comunicam na Internet", analisa a pesquisadora.

Presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Bauru e do Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual, Taylise Zagatto ressalta, inclusive, que o uso de linguagem neutra já foi debatido no Supremo Tribunal Federal, já que leis municipais de várias cidades tentaram vedar o debate sobre identidade de gênero e orientação sexual nas escolas. Ainda de acordo com ela, em todos os casos, a inconstitucionalidade dos projetos foi declarada pela Suprema Corte.

"Uma escola sem liberdade e censurada pelas ideias únicas de uma maioria social, sem pluralidade, sem inclusão e sem democracia é a escola do pensamento único, da segregação, da discriminação e da repressão. Esse modelo de escola é marca característica de regimes autoritários, que não permite a educação como prática transformadora que consolide ideais democráticos de igualdade e valorização das diferenças", frisa.

A instalação de banheiros individuais multigênero no McDonald's da Nações Unidas, em Bauru, ganhou grande repercussão nesta semana. Muitos repudiaram a reforma e os vereadores Eduardo Borgo (PSL) e Serginho Brum (PDT) gravaram vídeo em frente ao local para manifestar descontentamento.

Na última sexta (12), um vídeo feito por uma mulher não identificada viralizou. Sem mostrar o rosto, ela gravou imagens do local, pedindo o fechamento do que ela classificou como "McDonald's comunista". O vídeo, com pouco mais de um minuto, chegou aos Treding Topics (assuntos mais comentados) do Twitter no Brasil nesta sexta.

Na Internet, muitas pessoas debocharam do discurso formulado pela mulher, enquanto outras criticaram a implantação dos banheiros, ainda que com cabines individuais fechadas por portas, afirmando que eles seriam um "prato cheio" para abusadores sexuais. Termos como "perversão pedófila" foram amplamente utilizados, em pedido de boicote ao McDonald's.

Na avaliação de Borgo, os toaletes são anti-higiênicos e uma forma de tentar impor o conceito de não binariedade. "Quando uma empresa desse tamanho instala esses banheiros, dissemina-se uma linguagem subliminar para colocar na cabeça das crianças estas pautas sexuais de grupos minoritários. Nós iremos lutar contra isso", frisa.

INDENIZAÇÃO

Recentemente, o advogado bauruense Ivan Garcia Goffi ingressou com uma ação indenizatória contra organizadores de um evento em São Paulo, porque o banheiro disponibilizado era multigênero. Ele conta que estava com a mulher, que estava menstruada e precisava conferir se sua roupa não havia manchado. "Como ela iria conferir a roupa no espelho, se tinha um rapaz na área comum do banheiro? Ela teria que tirar toda a roupa na cabine individual, onde tem o vaso sanitário, para verificar. Hoje, todas as grandes cidades têm vagões de metrô e trem exclusivos para mulheres, porque elas são assediadas. Há um motivo para haver essa separação", frisa.

Em nota, o McDonald's informou ter "compromisso com a promoção de um ambiente inclusivo e de respeito" e que adotou cabines individuais para que "todas as pessoas se sintam bem-vindas e possam utilizá-las com conforto e privacidade".

Ao JC, a presidente da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Bauru, Taylise Zagatto, salientou que instituições públicas e privadas não devem reproduzir discriminações que têm o objetivo de invisibilizar grupos minoritários, o que afronta princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana. "Nesse sentido, ações afirmativas como a criação de banheiros 'agênero', vocacionadas a combater opressões históricas, sistemáticas e estruturais, não devem ser vistas como suspeitas ou indesejadas, mas como imperativos da igualdade em nossa sociedade", completa.

A prefeitura autuou o McDonald’s. Em nota, a Secretaria de Saúde relata que a Vigilância Sanitária foi ao estabelecimento e verificou que “as exigências do Artigo 96 do Código Sanitário do Município – Lei 3832/1994 não estariam sendo atendidas”. Tal artigo, em seu parágrafo primeiro, diz que “os sanitários devem ser separados e identificados, para cada sexo”. Segundo a pasta, o estabelecimento terá até 15 dias para recorrer e apresentar justificativa. Se isso não for feito ou os argumentos forem indeferidos, poderá ser multado e interditado.



Fonte: JC Net

Fonte: jcnet

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