Antes líder do governo e do PSL no Congresso, Joice Hasselmann é hoje alvo de críticas dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). A deputada federal assumiu uma posição combativa ao governo, chegou a assinar um “superpedido” de impeachment contra o chefe do Executivo, pediu para sair do PSL por justa causa e participou de uma filiação “simbólica” ao PSDB em outubro, que ainda não foi concretizada. Joice aguarda a fusão do PSL com o DEM para deixar o partido sem correr o risco de perder seu mandato. Mesmo após declarar apoio a João Doria (PSDB) para as eleições presidenciais de 2022, a parlamentar afirma que seu “sonho” é unir os candidatos da chamada terceira via, como o ex-juiz Sergio Moro (Podemos), o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD) e a senadora Simone Tebet (MDB). “Se dividir a terceira via, Lula é o presidente. Bolsonaro não tem condição de ganhar do Lula”, assegura.
Deputada mais votada da Câmara em 2018, Joice estuda concorrer a uma cadeira no Senado em 2022, mas condiciona sua candidatura a um “compromisso” com o apresentador José Luiz Datena. Em entrevista exclusiva ao site da Jovem Pan, a parlamentar comentou a aprovação da PEC dos Precatórios, que classificou como um “golpe”, criticou o chamado “orçamento secreto” no Congresso e falou sobre os planos para 2022. A deputada afirmou que em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro – como apontam as últimas pesquisas -, ela vai anular o voto pela primeira vez. Leia a entrevista completa abaixo:
Uma das principais propostas discutidas no Congresso no final de 2021 foi a PEC dos Precatórios. A senhora votou contra. Por quê? Para mim, é uma grande vergonha. Eu votei inclusive contra a orientação do meu partido anterior, o PSL, e do PSDB, que é o partido com o qual me casei agora. Eu não consigo entender como deputados do PSL que se dizem liberais votaram a favor. A bancada do PSDB de São Paulo votou toda contra, está muito unida, mas subindo lá para Minas, Nordeste, o pessoal foi na esculhambação total. A PEC dos Precatórios é o calote institucionalizado. Que país sério vai olhar para o Brasil – com o presidente que é um débil mental – e com uma Câmara que aprova um calote como esse? Ninguém vai querer botar dinheiro nesse país, nem China, nem ninguém, porque todo mundo vai ficar com medo. E a desculpa de ser pelo Auxílio Brasil é a mais esfarrapada do mundo, porque eu e um grupo de deputados e senadores apresentamos a maneira de pagar o auxílio sem fazer nada de calote, simplesmente cortando custo, fazendo as privatizações que são necessárias. Então o que o governo fez foi um golpe mesmo, a Câmara referendou esse golpe. E eu não participo de golpe. Quebra todo o nível de confiança do país para investimento. Isso de usar a desculpa do Auxílio Brasil para aprovar coisas que na verdade tem um link direto com orçamento secreto é uma brincadeira de mau gosto. Isso aí é para liberar caixa dois de campanha um ano antes da campanha. O orçamento secreto nada mais é que isso: um grande caixa dois institucionalizado. É dinheiro público na mão da base do governo para fazer esculhambação geral. É golpe descarado. Se a Câmara tivesse vergonha na cara, não teria aprovado.
Como a senhora disse, segundo o governo, a intenção com a aprovação da PEC era também viabilizar o pagamento do Auxílio Brasil. A senhora vê a substituição do Bolsa Família por esse novo programa como uma estratégia eleitoral? Claro que sim. O que importa o nome do programa? Eu acho até feio porque a gente sabe que o PT fez isso com o FHC. Ele juntou os programas sociais do FHC e batizou de Bolsa Família, então ficou parecendo que o PT criou o Bolsa Família. Não criou. O PT veio, usurpou isso e deu outro nome. E Bolsonaro está fazendo exatamente a mesma coisa, está usurpando uma coisa que não é dele e fazendo propaganda em cima. É uma vergonha ter um presidente que é usurpador de programa social. Minha paciência com esse governo está abaixo da linha da miséria.
A senhora mencionou o orçamento secreto. Recentemente o STF formou maioria para liberar as emendas de relator no Congresso. Qual a sua opinião sobre essa decisão da Corte? O Supremo tem cuidado bastante para não ultrapassar a linha dos Poderes, porque já aconteceram alguns curtos-circuitos ali, tanto com o governo como com a Câmara. Em alguns momentos, o Supremo está legislando, e não por culpa dele, mas por inoperância da Câmara. A Câmara senta em cima de algumas coisas, aí o STF acaba fazendo o que a Câmara não faz. Mesma coisa com o governo, a exemplo do passaporte da vacina. Então, muitas vezes o STF tem que avançar porque temos outros dois Poderes, o Executivo e o Legislativo, que estão sentados em cima de problemas ou tomando decisões que prejudicam o país. Mas discordo da aprovação [das emendas de relator]. Entendo que a nossa Constituição diz que os nossos Poderes são harmônicos e separados. Então, o que o Supremo disse é o seguinte: as emendas de relator são um problema de outra instituição, que é a Câmara. Confesso que queria que o Supremo tivesse barrado isso. Mas, no momento em que barrassem, já acusariam o Supremo de invadir o Legislativo.
Em uma entrevista à Jovem Pan em outubro, a senhora disse que Bolsonaro iria perder o apoio do Centrão. Na sua avaliação, a filiação do presidente ao PL muda isso? É que Bolsonaro está pagando caro. Na mesma entrevista, eu disse que Bolsonaro pagava aluguel para o Centrão. Ele não comprou, ele alugou. Na hora que acabasse o dinheiro do aluguel, o Centrão pularia fora do barco. Só que Bolsonaro dobrou a aposta e subiu o valor pago pelo aluguel. Ao invés dele pensar no país e cortar custos, ele entregou o governo para o Centrão. Acabou. O país está no corredor do abate político e econômico e o Bolsonaro terceirizou. Enquanto tiver essa teta cheia de leite e o dinheiro público na mão do Centrão, eles vão apoiar seja quem for. Mas pode ter certeza que isso não impede o Centrão de, na última hora, ao ver que o Bolsonaro não tem habilidade eleitoral, pular descaradamente para o barco do Lula. O Centrão está onde o poder está. Eles não negam isso. Apoiaram o Lula, apoiaram a Dilma, agora apoiam Bolsonaro. O Centrão é fisiológico e caro. O governo está pagando esse preço. Na verdade, o povo brasileiro.
A senhora foi a mulher mais votada da Câmara em 2018 com um discurso de apoio ao bolsonarismo. Acha que pode perder apoio em 2022 fazendo oposição ao presidente? É muito simples fazer essa conta. Houve uma onda que o Bolsonaro roubou. Ele roubou a nossa bandeira, que é a da Lava Jato. Só que temos de lembrar que eu disputei a eleição com o filho do presidente [Eduardo Bolsonaro]. Eu fiz mais de 1 milhão de votos disputando com o filhotinho do presidente. Bolsonaro não fez campanha para mim, eu que fiz campanha para ele. Os fanáticos bolsonaristas não votaram em mim, votaram no filho do presidente. Os meus votos eram das pessoas lavajatistas, de mulheres, daqueles que estavam achando que os partidos mais de centro não estavam fazendo nada, então eu não tenho preocupação quanto a isso. É obvio que repetir uma votação alta como aquela não é fácil, nem para mim, nem para ninguém. As coisas mudam. Mas eu não tenho a menor preocupação com a minha reeleição. Também não tenho nenhum apego ao cargo. Se o povo achar que eu tenho que continuar trabalhando, maravilhoso. Se não, eu vou tocar a minha vida como eu sempre toquei. Eu não preciso da política, eu me dedico à política. São coisas bem diferentes.
Quais os planos para 2022? Pretende buscar a reeleição ou se candidatar ao Senado? Essa é a pergunta de um milhão de dólares. Há um grupo do PSDB que quer que eu saia candidata ao Senado, mas eu tenho um compromisso pessoal com o Datena. Eu disse a ele que, se ele fosse candidato, eu desistiria do Senado e o apoiaria. Ele também tem um acordo de me apoiar para a Câmara. Ele disse que “agora vai”. Se o Datena não sair candidato ao Senado, aí a coisa muda de figura, e eu posso brigar por essa vaga.
E sua filiação ao PSDB, como fica? Fizemos um anúncio, mas como eu sou macaca velha, de boba não tenho nada, eu não fiz a filiação oficial. O Bivar [Luciano Bivar, presidente do PSL] garantiu aos caciques tucanos que não ia colocar implicação nenhuma, falou que entendia que o partido tinha mudado de posição, que eu estava muito descontente, que a nossa relação não era mais tão produtiva, porque é uma gente que de fato eu abomino. Mas ele garantiu que estava tudo bem, que sabia que eu ia sair. Eu tenho uma ação contra o PSL para sair por justa causa, e ele deu a palavra que, o que ele pudesse fazer, ele faria. Eu falei para os caciques do PSDB que ele estava mentindo. Não se pode dar o que não se tem. Ele não tem palavra. Aí no outro dia estava em todos os jornais que ele ia atrás do meu mandato, e eu dei risada, porque eu já sabia. Eu vou para o PSDB, tenho a palavra com o governador de São Paulo. A partir do momento que oficializar a fusão, eu estou pulando fora do PSL. Minha relação com os outros partidos sempre foi muito boa. O próprio ACM Neto queria muito que eu fosse para o DEM antes dessa fusão com o PSL. No momento em que ele juntou com o PSL, eu fui muito clara e falei que não tinha condição. Eu não vou ficar em um partido com um bando de malucos, então eu acabei saindo. Muita gente ali se coloca contra a corrupção enquanto está fazendo negocinho com emenda por baixo do pano. Eu não faço parte disso. Eu estou em um partido, o PSL, que foi completamente descaracterizado, que se elegeu como um partido liberal para abrir portas para o país, a favor das privatizações, de fazer um Estado cada vez menor, e virou um capacho do presidente da República. Com a saída dos bolsonaristas, fica um pouco mais limpo o partido, mas o comando continua o mesmo.
Geraldo Alckmin anunciou a saída do PSDB, e há especulações sobre uma suposta chapa com Lula. Como a senhora vê isso? Eu acho que a saída do Geraldo Alckmin do PSDB é um jogo de perde-perde. Obviamente, o partido perdeu porque o Alckmin é um bom quadro. Gosto muito dele. Inclusive estive no apartamento dele para dizer que se ele optasse por ficar no PSDB, eu jamais disputaria o Senado. Ele me liberou, falou que não iria disputar o Senado. Ele seria um presidente do Senado maravilhoso. Mas o Alckmin estava com um problema pessoal com João Doria. A saída dele do PSDB e a eventual aliança com o Lula simplesmente matam toda a história política do Geraldo Alckmin, alguém que sempre esteve no campo de centro, liberal democrático. No momento em que ele sai para ir ao PSB – e isso não é uma crítica ao PSB – para fazer uma aliança com o Lula, ele joga toda a biografia dele fora. É imediatamente associar ele a toda essa esquerda maluca que ajudou a afundar o Brasil de um jeito que a gente nunca tinha visto antes – até o Bolsonaro chegar. Se ele for para o PSB, para ser candidato ao governo de São Paulo, também é um jogo de perde-perde, porque ele e o Rodrigo Garcia disputariam o mesmo cargo, e ele também estaria em um partido que é um braço auxiliar do PT. Então, é lamentável.
A senhora já manifestou apoio a Doria para a Presidência em 2022, mas também se elegeu com um discurso lavajatista e sempre defendeu Moro. Nas últimas pesquisas, ele aparece em terceiro lugar. Moro tem força para ser a chamada terceira via? Eu sou amiga de Sergio Moro muito antes da Lava Jato. Não é o discurso que foi estampado na campanha como Bolsonaro fez. Eu sempre defendi a Lava Jato. Eu sou amiga do João Doria desde antes da política. Então, acho que antes dessa “politicalhada” para lá e para cá, eu sou a única que tem realmente intimidade com os dois. O meu sonho, eu tenho falado com os dois, é de unir a terceira via e trazer todo mundo para dentro. Sergio Moro, João Doria, Simone Tebet, Rodrigo Pacheco, trazer todo mundo para dentro. Obviamente vai ter que ter uma cabeça de chapa, mas o importante é que todos estejam juntos. Se dividir a terceira via, Lula é o presidente. Bolsonaro não tem condição de ganhar do Lula. Se dividir a terceira via, os votos vão se dividir e a gente não vai ter força para chegar ao segundo turno. Então, eu estou trabalhando para juntar todo mundo, e acho que é bem possível.
Em um suposto segundo turno entre Bolsonaro e Lula, em quem a senhora votaria? Seria a primeira vez na vida que eu anularia meu voto. Eu não tenho condição de votar em nenhum dos dois, nem com uma arma na cabeça. Eu não faço isso com o meu país. Nem Lula nem Bolsonaro, eu vou direto anular o voto.
Fonte: jovempan
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